"A Hora" de Clarice no jornalismo - Recicla Leitores
Bom, depois de vários dias sem postar nada resolvi postar sobre a minha última leitura do mês passado. E é nada mais nada menos que Clarice Lispector.
Já havia lido “A Hora da Estrela ” há algum tempo e, só agora, li outra coisa da autora. Essa obra traz consigo um diferencial: aborda textos escritos por Clarice enquanto fora jornalista. Foram escritos para grandes jornais da época, como “Jornal do Brasil”, “Manchete”, “Correio da Manhã “, dentre outros.
O livro traz os primeiros textos da autora na imprensa, as páginas femininas, crônicas e entrevistas.
Sabemos que o texto ficcional e o factual tem suas particularidades, mas são nítidas as semelhanças entre eles nas narrativas de Clarice. Seus textos jornalísticos trazem descrições precisas de situações fora grande elementos subjetivos. Vale destacar também o grande interesse da autora no tocante às causas sociais.
“De um modo geral, nada há que impeça uma mulher de trabalhar, quando sua remuneração vier atender a uma necessidade. Aliás, num caso desses não há escolha de caminho e o próprio homem tem que concordar. Há outra situação em que admiro a mulher no trabalho: quando este corresponde a uma necessidade interior e interessa-lhe particularmente. Nessa hipótese ela deverá, como os mesmos direitos de qualquer outro ser humano, seguir sua vocação. Todos os casos fora os citados, eu não os justifico. Seu papel, no lar, é bastante absorvente e sério para que ela procure, além dele,outro campo de atividade.”
Excerto de um de seus textos “Deve a mulher trabalhar?” em que discute qual o papel da mulher no mercado de trabalho.
As “Páginas Femininas” foram as que mais me chamaram atenção. Ao mesmo tempo que a autora trazia consigo ideias feministas ao mesmo tempo mostrava certo conservadorismo de modo que certas opiniões poderiam ser taxadas de “machista” ditas nos dias atuais. Um exemplo disso é o trecho de “Manias que enfeiam” que destaco abaixo:
[…] Por exemplo, a mania de estar sempre comendo alguma coisa, como chocolate, um caramelo, um sorvete como se estivesse eternamente morrendo de fome. Além de extremamente deselegante, dá a impressão de que não come o bastante em casa. Os homens detestam isso. Sem falar nas gordurinhas supérfluas que essa gulodice constante faz aparecer.
Esse “choque de gerações ” que torna a leitura ainda mais interessante. Obviamente que, ao lermos, devemos ter em mente que muitas coisas defendidas pela escritora eram os padrões para a época mesmo que hoje pareça “absurdo”.
As entrevistas são outro ponto alto dessa publicação. Ao entrevistar grandes personalidades da época, como Tom Jobim, Elke Maravilha, Maysa, Sarah Kubitschek, Nelson Rodrigues, dentre outros, a autora conseguiu trazer um clima mais informal a seu trabalho. Clarice deixava o ambiente mais agradável possível, fazendo com que a entrevista parecesse um diálogo entre amigos.
Bom, podemos ressaltar aqui o quão importante é o trabalho da autora para a literatura mundial e o quanto esse livro só reforça sua grandiosidade. Vale a leitura, não somente para jornalistas ou apreciadores do trabalho da autora mas sim para qualquer um que tenha vontade de apreciar uma leitura de qualidade. Tem seus altos e baixos mas não deixa de ter uma inestimável qualidade.
Renda-se, como eu me rendi. Mergulhe no que você não conhece como eu mergulhei. Não se preocupe em entender, viver ultrapassa qualquer entendimento.